HUMORDAZ Última Edição



DE ENDE



Encerramos nesta semana uma nova tentativa de colocar na nuvem o sonho antigo de reunir cartunistas mineiros numa espécie de Pasquim eletrônico.


Fiz parte de um grupo de humoristas que criou o HUMORDAZ na década de setenta, unidos pela juventude e pela oposição à ditadura militar, embalados nos exemplos de diversas publicações alternativas que surgiam no Brasil. Havia talentos entre nós que traduziam na página semanal do jornal Estado de Minas suas diferentes ideias bastante sintonizadas com a época e os zeitgbers da política e do mundo. Somente interrompemos nossa trajetória quando tentamos criar uma revista mensal e recebemos censura prévia dos sargentos instalados em Brasília. Cada um foi para seu canto com suas próprias melodias e fomos morrendo de idades e outras doenças incuráveis.

Quando ocorreu o massacre dos cartunistas do Charlie Hebdo, o Aragão reuniu diversos humoristas mineiros para homenagearmos os colegas franceses brutalmente assassinados pela intolerância religiosa. Naquela reunião, sugeri que continuássemos a produzir cartuns juntos e daí nasceu a ideia de resgatarmos o nome do HUMORDAZ.

Talvez esta decisão de retomar um nome antigo fosse premonitória do que aconteceria nos meses seguintes, pois faltou sangue jovem, aquele que move as guerras e as revoluções culturais, e ficamos nós, a maioria formada por humoristas seniores refazendo o que fazíamos de melhor numa outra época. Não deslanchamos no número de acessos e, se não fosse a presença criativa de dois talentosos jovens cartunistas (Batista e Rafael), talvez o HUMORDAZ tivesse resistido ainda menos tempo flutuando no ar digital. Nem mesmo a colaboração semanal do Bóligan (um cartunista cubano e o mais premiado do mundo) segurou nossa audiência em patamares compensatórios para o investimento de tempo daqueles que ainda precisam ganhar seu sustento, porque eles precisam viver de graça.

O humor, como tudo na humanidade, é absolutamente histórico e o que é interessante e engraçado hoje NÃO o será amanhã, até porque nosso cérebro não tem prazer em piada repetida, ainda que as pessoas, em especial os políticos e a elite, cometam diariamente as mesmas sacanagens dignas de uma charge ontem. Tivemos nossos momentos de prazer e descobertas (faltou álcool, drogas, sexo e rock, é verdade, talvez aí nossa dissintonia social) e agradeço alguns leitores sinceros que me ajudaram a compreender o quanto envelheci.

Ontem eu caminhava pelo Parque Lagoa do Nado e havia lá uma exposição de carros antigos, desde um conversível de 1924 até objetos de consumo muito desejados na década de setenta, entre eles o famoso Opala, modelo que pude ser um daqueles proprietários fascinados pela sua modernidade tecnológica (ou era apenas marketing?) ultrapassada neste último meio século. Ao redor dos carros, homens (somente homens) debruçados sobre capôs abertos trocavam figurinhas (isto também não existe mais), sobre qual seria a melhor mistura de combustível para a máxima eficiência do motor e outros detalhes cuja importância somente cada um deles sabia, sabedorias estas que enchiam de orgulho cada um dos donos das geringonças que permaneciam postados sob o sol diante das suas raridades.

Assim como aqueles carros, tivemos nosso tempo como cartunistas quando traduzíamos certo espírito coletivo do momento, mas hoje talvez alguns de nós sejam apenas objetos do carinho de poucos colecionadores e amigos. Espero que um dia o HUMORDAZ seja exposto por um destes fanzines no Parque Lagoa do Nado numa tarde de domingo e o jovem com o boné com a logo americana virado para o lado (se isto ainda for moda) retire o fone do ouvido (ou desligue por um instante o chip do google lens implantado em seu cristalino) e comente com os colegas: “Manêro, os cara, manô... dôdjos dimais, véio!” Teremos sido consagrados os Opalas.

LOR (em nome da maioria)