nº 04

belo horizonte, mg, brasil | ano 1 | nº 04 | de 06 a 12 de julho de 2015

HUMOR DE PRIMEIRA, TODA SEGUNDA
PARTICIPAM DESTA EDIÇÃO:
Amorim | Angelo Machado | Aragão
Balmaceda Parker | Batista | Boligán
Lor | Lute | Mazio | Racy | Sete | Thalma

PÍLULAS DE HUMOR
Somente com o uso da força foi possível remove-lo para uma prisão domiciliar: sua mulher era insuportável.
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O que é a revolução sexual! A antiga posição papai e mamãe, hoje é vovô e vovó.
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Para se preparar para a morte, diariamente o monge trapista cavava sua sepultura. Aos 98 anos achou petróleo.
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Cuidado com os espinhos, filho! - É peixe mãinha? - Não, é cacto.
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Depois dos setenta, subir escada com mais de três degraus é esporte radical.


NO SELFIES

Balmaceda Parker(*)

Música macabra. A tampa do esquife abre-se lentamente, com o ranger característico de filmes de terror. De dentro dele, e em meio a alguma fumaça, surge o velho vampiro. A plateia, quase toda formada por adolescentes, solta um característico “Ooooh!” – mais de decepção, que de espanto. 
Lentamente, o morto-vivo se levanta e dirige-se a um púlpito colocado no centro do palco. Testa o microfone, dando as tradicionais três batidinhas com a ponta do dedo. Pigarreia, antes de dar início à sua palestra. Ele é soturno, grave e fala devagar, com muitas pausas. 
A plateia, hipnotizada, interrompe momentaneamente a mastigação de seus chicletes e escuta-o em silêncio sepulcral.
- Quem estavam esperando? Edward Cullen? (Pausa.) “Abandonai toda esperança, ó vós que aqui viestes!” A Divina Comédia, de Dante – em tradução livre... (Pausa.) Dante Allighieri. Sabem quem é, não sabem? (Silêncio.) Não, não sabem... Tudo bem: vamos em frente... Porque eu sou aquele vampiro à moda antiga: do tipo que ainda chupa sangue... (Pausa; ameaçador.) E prometo chupar o sangue do primeiro engraçadinho que ousar fazer piadinha com chazinho de modess ou me comparando ao chupacabras! (Pausa.) Ou a Bento Carneiro, o vampiro brasileiro! 
Mais da metade da plateia também não sabe quem é Bento Carneiro. Nem o que vem a ser um “vampiro brasileiro”. 
Ele continua:
- Sou de um tempo em que vampiro de verdade não se refletia no espelho. Hoje, Edward Cullen deve passar horas diante de um, só pra arrumar aquele topete ridículo... Fora a base, o pó de arroz e o rímel. E batom – claro! (Pausa.) No meu tempo – e olha que de vida eterna eu entendo, hein! -, alho espantava vampiro; crucifixo, também; água benta queimava nossa pele; pisar em chão sagrado, nem pensar! Vampiro de hoje é capaz de comer pão de alho no churrasco da igreja. Antes, claro, lava as mãos no chafariz de água benta ao pé do cruzeiro... (Pausa.) Vampiro do meu tempo só podia ir à praia à noite: pra tomar banho de lua - que ainda curava suas feridas. Vampiro moderno usa protetor solar... (Pausa.) Virar morcego e sair voando? Antigamente, era difícil, complicado, demorado, mas a gente fazia e todo mundo tinha medo. Hoje, os efeitos são digitais, simples, rápidos, de última geração: vampiro pode voar e, também, virar qualquer coisa. E ninguém vê mais aqueles cordõezinhos pretos, pendurados, sustentando Boris Karloff ou Bela Lugosi... 
Na plateia, todos fazem cara de “quem é esse tal de Boris?” e “quem é essa Bela?”.
O velho palestrante faz uma pausa mais longa. Encara cada um, na plateia. Escolhe um pra Cristo (ôps!):
 - Está rindo de quê? Vampiro moderno é só uma farsa criada pelo cinema imperialista americano pra dominar corações e mentes dos adolescentes de todo o mundo! E as bilheterias! (Pausa.) Já não se fazem vampiros como antigamente: Vlad, o Empalador... Nosferatu... Drácula... Tá, eu sei: também não sou nenhum Tom Cruise... Brad Pitt... Robert Pathinson – é esse, o nome? Aquele do topetão! (Pausa.) Quem ele pensa que é: James Dean? 
O silêncio da plateia parece perguntar em uníssono: “James quem?”
- James Dean está morto. E não é um morto-vivo: nenhum de nós o mordeu, posso assegurar! (Pausa.) Aquilo não é um topete: é um tapa-sol! Deve ser por isso, que esse engomadinho desse Cullen pode sair na rua entre o “amanhecer” e o “crepúsculo”... Eu só posso sair quando tem “eclipse”. Ou “lua nova”... 
Mais uma vez, a plateia não reage. E ele completa, após breve pausa: 
- É, o mundo está muito mudado, mesmo... No meu tempo, as pessoas percebiam melhor os trocadilhos, as ironias...
Nova pausa e ele prossegue:
- Foi só pra mostrar que eu posso chupar sangue, mas tenho senso de humor...
Pensa em desistir, mas resolve fazer uma última tentativa: 
- E tem mais: vampiro, no meu tempo, era tudo... pegador – como se diz hoje. A gente pegava todas, dava um chupão no pescoço e, depois... Bem, os filmes daquela época não mostravam, mas vocês devem imaginar... Não era como hoje: namorar, passear de mão dada pelo bosque, se apaixonar, casar virgem... Vampiro era macho e saía de um caixão; hoje, eles são andróginos e parece que nunca saem do armário... 
A plateia permanece imóvel. Ele sente que está falando para as paredes e que nem vale a pena tocar no assunto dos vampiros da política, lá em Brasília, que vivem chupando o sangue da população. Desiste da palestra: entra novamente em seu caixão e desaparece em meio à fumaça. 
Um a um, os presentes recomeçam a mascar seus chicletes, sacam seus smartphones e começam a trocar mensagens, lamentando que nem houve tempo pra fazer uma selfie – sem sequer saberem que vampiros não são fotografáveis...

(*)Hematologista residente do Hospital Geral da Transilvânia e antropoquiróptero nas horas vagas.





Djavan



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